BRASIL: UM PAÍS SEM COR
“Nossa bandeira jamais será vermelha”, disse o atual presidente, ainda em campanha eleitoral. Mentiu. Nossa bandeira, que ainda carrega as cores do Brasil império, está constantemente manchada de sangue. Se torcer, pinga. Além de ser um dos países que mais mata ativistas, indígenas, negros e mulheres, também é um dos lugares do mundo mais perigosos para a comunidade LGBTQIA+. Se for uma pessoa transgênero, então, o cenário piora. A expectativa de vida é de apenas 35 anos, quando da população geral é de 75,5 anos.
Quando um político diz que “as minorias devem se curvar às maiorias”, ou que somos todos iguais, está fazendo um apagamento das diferentes realidades que vivemos dentro do país. Com isso ele consegue um falso controle sobre os divergentes e também uma farsa nos números de crimes cometidos e motivados pelo ódio àqueles que não vivem como o padrão social imposto, como se estivéssemos ainda na Idade Média. Esse tipo de gente está transformando o Brasil em um país sem cor e é um tipo que não deveria sair do armário.
Com um dualismo limitante, reduzem a complexa vida em sociedade a bem e mal, menino e menina, preto e branco, mãe e pai, simplificando, e muito, as soluções de políticas públicas que atendem somente uma parcela da população, a que se encaixa ou acredita nisso, ignorando a realidade de milhares de lares. Lembrei da frase “inocente” (entre aspas porque foi escrita por um roteirista adulto) de uma criança no filme Um tira no jardim da infância: “meninos tem pênis e meninas tem vagina”. Nem todos, meu jovem. Nem todos.
Reduzir a complexibilidade humana à biologia é negar que também somos seres sociais, culturais e heterogêneos, e que não existem respostas exatas nem mesmo na ciência. Cientistas estão constantemente fazendo descobertas e não é a Bíblia que vai explicar a vida humana na Terra, sinto informar. Respeito a religião de todos, porém, respeitem também a crença dos outros e questionem que Deus é esse em que vocês creem que nega a existência de uma pessoa que, pela própria doutrina do cristianismo, a criou.
Não existe ideologia de gênero, existem papéis de gênero que foram pré-estabelecidos cultura e forçadamente, e tudo que foge desse padrão se torna estranho ou repulsivo por parte da sociedade. Mas sabe o que é estranho? O preconceito com a sexualidade e identidade alheias. Sabe o que é repulsivo (e até pecaminoso para quem acredita em pecado!)? Essas pessoas serem perseguidas, agredidas e mortas por outras que usam a fé como justificativa para tal violação. O que existe de fato? Pessoas com identidades de gênero diferentes, assim como sexualidades próprias. E elas não vão deixar de existir porque alguns não as aceitam como são.
Pecado, o mal, a perversão são fatores intrínsecos e passíveis de interpretação. Sinto dizer, mas a Bíblia não é absoluta, muito menos para reger um Estado. Existe uma infinidade de livros e pensadores que tentam explicar o mundo e que merecem crédito. Mas, repito, não é negando a existência de pessoas diferentes de parte da população que vamos mudar ou melhorar o país. Esse apagamento está manchando nossa bandeira com sangue de pessoas que também são brasileiras, familiares de alguém, que sofre essa perda e sofrerá pelo resto de seus dias.
A comunidade LGBTQIA+ não está crescendo, como temem os héteros reacionários — que podem ficar tranquilos, ainda são maioria com grande margem. O que está acontecendo é que estão se descobrindo, agarrando seu direito de assumirem quem realmente são e serem felizes com quem escolherem amar, constituindo suas próprias famílias a seu próprio modo. Nada mais justo também serem livres para amar quem quiserem, não é mesmo?
Os perigos de uma nação teocrática é o ataque sistêmico à diversidade. Literalmente cromática, é contra a pluralidade de cores da bandeira LGBTQIA+ que dá visibilidade para pessoas que antes não podiam admitir a própria existência por medo pela própria vida. O medo ainda existe, mas a coragem se transforma em orgulho a cada nova descoberta e na união entre pessoas da comunidade e simpatizantes, que apoiam a luta pela liberdade sexual de cada indivíduo.
Lembre-se que a sua opinião diz apenas sobre a sua realidade, sobre como você vive e no que acredita, e jamais poderá ditar a vida do outro, por mais que discorde ou tenha a base de uma fé para guiar seus passos. Cada um tem direito de viver como achar melhor, sem a intromissão de ninguém, nem mesmo de religião ou Estado. Ser feliz passa pela aceitação de si mesmo, mas também pela aceitação de que não temos controle sobre as outras pessoas.
Todo mundo tem um parente ou amigo da comunidade. Eu também faço parte dela. Depois dos 30 anos me descobri bissexual, além de ter vários amigos que também são LGBTQIA+, e se encontram muito mais felizes assumindo quem são do que quando seguiam regras e normas de convivência social e relacionamentos impostos pela sociedade heteronormativa. Nós queremos respeito e direitos iguais. Hoje estou em um relacionamento com um homem que escolhi amar, com quem vou me casar, e não poderia estar mais feliz.
Cuidemos de nós mesmos e daqueles que estão mais vulneráveis sem políticas públicas de proteção, principalmente agora no meio de uma pandemia. Lutemos juntos para manutenção de direitos básicos para todo mundo sem discriminação, que não deveriam ser questionados nunca, mas infelizmente são por aqueles cercados de privilégios, por isso devemos estar sempre atentos. Não deixemos que transformem o nosso amado Brasil em um país sem cor, ou ainda pior, tingido com sangue do seu próprio povo.
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