AS MUDANÇAS DO MERCADO EDITORIAL NA ÚLTIMA DÉCADA
Não faz muito tempo que autores nacionais tinham seu sonho de serem publicados destruído por falta de respostas, ou negativas, de grandes editoras, ou mesmo por golpes de pequenas editoras, que prometiam o que não podiam cumprir e desapareciam com o suado dinheiro que o autor havia investido na publicação. Procure conhecer a história de seu autor favorito. Aposto que vai se surpreender com os tombos que ele tomou no mercado editorial.
A minha não é diferente. Comecei a escrever aos 7 anos de idade, mas o sonho de publicar histórias aconteceu só na adolescência. Até então eu havia escrito apenas versos, poemas e pequenos textos. Depois dos 15 anos comecei a escrever textos maiores, crônicas, até música e peça teatral, e finalmente os romances, gênero que nunca mais pude abandonar, apesar da pausa que fui obrigada a fazer na época da faculdade.
Nesse período, por falta de tempo, pois trabalhava a semana toda e de final de semana eu namorava, parei de escrever porque estava literalmente vivendo. Escrever era apenas um escape para mim. Não fui incentivada a prosseguir com a carreira de escritora, pois no Brasil não dava dinheiro. Foi o que me disseram e nem fui atrás para saber se era verdade. Por isso, me dediquei à faculdade de Publicidade e Propaganda.
Depois da formatura, meu foco passou a ser o casamento. O sonho de escrever e ser publicada passou a ser apenas uma sombra do passado. Mas o tempo foi passando e um vazio começou a crescer dentro de mim. Era para eu estar feliz, dizia a mim mesma. Era casada com o homem que amava, tinha a nossa casa, ia formar a minha família, tinha um emprego do qual gostava e minha independência financeira. Não me faltava nada.
Mas faltava. Faltava voltar a escrever histórias e mergulhar profundamente no inconsciente dos personagens e reencontrar a mim mesma. Faltava parar de anular minhas experiências anteriores e deixá-las vir à tona como aprendizados de vida. Faltava deixar de anular meus sonhos pelo que os outros acreditavam ser melhor para mim. Faltava ter coragem de admitir e realizar tudo o que eu queria.
Para quem não sabe, eu nasci em São Paulo, capital, e me mudei para Sertãozinho, interior do Estado e cidade natal de minha mãe, aos 7 anos, onde fui criada. Eu me casei na cidade natal do meu ex-marido, Viradouro, mas moramos em Sertãozinho por 3 anos depois de casados. Em 2010, nos mudamos para Franca, cidade quase na divisa com Minas Gerais, e fiquei desempregada por 6 meses, vivendo do seguro-desemprego.
Era uma cidade estranha, na qual não tinha amigos nem familiares, e eu ficava sozinha o dia todo, enquanto meu marido trabalhava. Foi a oportunidade que precisava para me reconectar comigo mesma. Parece que a vida nos força a fazer isso se não tiramos tempo para tal. Pelo menos foi assim comigo. Voltei a ler e senti uma gana enorme de retomar a escrita. Comprei um livro técnico e decidi me profissionalizar.
Se os autores que eu lia haviam conseguido, por que eu não conseguiria? Foi com esse pensamento que criei a saga Os Qu4tro Elementos, minha história de estreia no mercado literário. Eu não sabia nada sobre os bastidores, mas era especialista em mídias sociais e comecei a usá-las para me promover, assim que defini título e enredo da saga. Criei também um blog e escrevia curiosidades sobre as histórias.
Graças a isso, já tinha uma gama de perfis literários me seguindo, ansiosa pela publicação, que eu não sabia quando e como seria. Minhas primeiras leitoras betas foram minhas irmãs e amiga, que me incentivaram a continuar. Claro que tive insegurança e achei que não estava pronta a cada passo que dava. Tanto que esse primeiro livro revisei pelo menos umas dez vezes, sem exageros.
Foi no Twitter, através de um spam, que conheci Marcelo Paschoalin, escritor que me mostrou o caminho mais fácil para a publicação. Na época eram as editoras pequenas, portanto, eu nem tentei as grandes. Elas funcionavam sob demanda, ou seja, o autor pagava para a editora por uma quantidade X de livros e depois se virava para vender. Era praticamente uma gráfica, que também fazia a capa e a revisão.
Depois de um tempo, percebi que aquilo não estava certo, mas que outra opção eu tinha? Eu pagava R$ 25 por unidade de Marcada a Fogo e, para ter lucro, tinha que vender por pelo menos R$ 30. E não era fácil. Por mais que eu tivesse vários perfis interessados me seguindo, convencer um leitor a pagar mais de R$ 30 por um livro de uma autora desconhecida é uma missão extremamente complicada. O selo da editora tão pouco ajudava nessa tarefa.
Fui à minha primeira Bienal, em São Paulo, acompanhada de minha irmã, com seu primeiro bebê, e meu cunhado. Em 2012, eu tinha toda a saga escrita e havia me divorciado graças aos livros. Meu ex-marido, que no início me incentivava, demonstrou cada vez menos paciência em me apoiar depois que mergulhei de cabeça na realização do meu sonho. Ele participou do lançamento do primeiro livro em outubro de 2011, mas de má vontade.
Foi o dia mais feliz da minha vida que desencadeou o pior. O divórcio não foi fácil. Tive que voltar para Sertãozinho, a morar com meus pais, depois de 6 anos morando fora. Mas, graças ao apoio dos meus familiares, que nunca me abandonaram, e à escrita, consegui superar. A experiência traumática do divórcio rendeu a trilogia erótica Puro Êxtase, meu maior sucesso literário em 2014.
Mas não pulemos a cronologia. Em novembro de 2012, lancei o livro 2 da saga, Filho da Terra, ainda pela editora por demanda, mas já estava desanimada. Uma por causa da fase ruim pela qual estava passando, e outra pela dificuldade em ser lida. O sucesso que foi o primeiro lançamento não se repetiu no segundo. Mas não sou uma pessoa que desiste fácil do que quero e também dou oportunidades aos que me decepcionam até chegar ao meu limite.
Em 2013, o mesmo autor que me indicou a Literata também me apresentou ao KDP da Amazon, a plataforma de autopublicação do site que havia chegado ao Brasil há alguns meses. Na mesma época, também veio o site canadense Wattpad, onde postei 10 capítulos de Insensatez, romance escrito em parceria com Gisele Galindo, e que foi publicado na íntegra na Amazon, assim como os 2 primeiros volumes da saga.
Deu tão certo que os ebooks ficaram por semanas no ranking dos mais vendidos do site e então eu soube que aquele era o meu lugar. Cancelei o contrato com a editora por demanda e passei a publicar tudo o que escrevia na plataforma. E eu já escrevia muito! Naquele ano, eu tinha 6 livros escritos, sendo 4 da saga Os Quatro Elementos. Também escrevi um conto erótico pouco antes de Puro Êxtase.
Com a ajuda de blogs parceiros, passei a ganhar destaque como autora autopublicada no Wattpad e na Amazon a cada história nova lançada. Foi a virada da minha vida. Através das plataformas, fui vista por editoras, que foram contratando as minhas histórias. Em 2015, Não Espere pelo Amanhã foi publicado pela Qualis. Em 2016, a Astral Cultural começou a publicar a trilogia Puro Êxtase. Em 2017, a Pandorga publicou Eu Nunca, escrito com Mila Wander.
Essas plataformas mudaram o mercado editorial hoje. Autores que começaram a escrever agora foram para o Wattpad ou se autopublicaram na Amazon, se tornando rapidamente campeões em vendas. Editoras abriram espaço para autores nacionais e os leitores absorveram essas novas histórias. As livrarias estavam recheadas de autores brasileiros fresquinhos e eu não podia estar mais feliz...
Se não fosse pela crise das livrarias. Para vocês entenderem, vou explicar como funciona a cadeia do livro no Brasil. A editora adquire os direitos de publicação dos livros diretamente com os autores por 10% do valor das vendas. Paga capista, diagramador, revisor e editora que faz a edição do texto e que discute as mudanças com o autor. Paga a impressão na gráfica e manda para a distribuidora, que fica com 60% do lucro.
As livrarias recebem esses livros e colocam à venda em suas lojas por aproximadamente 30% a 50%. Se a editora quiser destaque, aquelas pilhas de livros maravilhosos que ficam na entrada da loja, precisa pagar à parte (cerca de R$ 15 mil). Detalhe importante: o frete é todo por conta da editora. As livrarias fazem o acerto das vendas somente de 6 em 6 meses. A distribuidora pega a sua parte e repassa o valor restante para a editora.
Outra coisa importante a salientar. Algumas livrarias compram os exemplares no ato da distribuição, outras pegam em consignação. Ou seja, a editora tem todo o custo acima e só vai ver o dinheiro quando as livrarias fizeram o acerto. O problema maior é que nem com isso as editoras podem contar. Tem livrarias que nunca pagaram e estão devendo milhões de reais aos fornecedores. Esse é o resumo da crise das livrarias que estamos vivendo.
Por quê? Má administração? Afinal, as livrarias ficam com todo o lucro. Mas vejamos, também têm custos altos: local (lojas em Shopping possuem aluguel alto), força, água, funcionários. Se vocês têm o hábito de frequentar livrarias, sabem que muitas passaram a oferecer cafés e outros produtos, como material escolar, CDs, DVDs e Blu-rays, em uma tentativa de atrair mais público e obter mais fonte de renda.
Então leitor está comprando menos livros? Tirando por base as Bienais, tanto do Rio quanto de São Paulo nos últimos 4 anos, acredito que a crise econômica também esteja afetando o poder de compra dos leitores, que diminuíram as compras físicas e passaram a comprar online, com desconto (vide o estouro de vendas da Black Friday, por exemplo!). Ah! Então leitor está lendo menos? Acredito que tenho outra resposta para isso.
O mercado editorial mudou, mas as livrarias não acompanharam esse processo no mesmo ritmo. Com o boom da era digital, o leitor tem mais opções para manter seu vício, como ebooks, audiobooks e KU (a Netflix dos livros na Amazon). Falando em Netflix, essa também tem consumido parte do tempo de leitura. Eu mesma sou uma ávida consumidora de séries da plataforma e tenho me obrigado a dividir o tempo com a leitura.
Ah, mas os livros impressos ainda são preferência do público leitor, vocês dirão. Sim, mas existem outros meios de adquiri-los. Através de lojas online ou mesmo pelo catálogo da Avon. Com isso, as livrarias irão acabar? Duvido muito, mas as grandes redes provavelmente se tornarão mais enxutas, o que será ótimo para aquela livraria de bairro que está lutando para sobreviver há 50 anos, por exemplo. Vai dar mais visibilidade a essas lojas.
No fim de 2018, as editoras sofreram um calote imenso de duas grandes redes, obrigando-as a se reinventarem. As livrarias ainda detém a maior porcentagem de seus lucros, mas não são os únicos meios. Existem lojas virtuais e distribuidores que pagam corretamente. Mas as editoras precisaram ser criativas para atrair o público leitor para comprar em outros formatos, com preços mais competitivos ou livros para colecionador.
Por conta disso, editoras grandes diminuíram os investimentos e o primeiro corte foram os autores nacionais, porque, infelizmente, ainda vendemos menos do que os livros internacionais que vêm para o Brasil já como best-sellers, ou através de filmes e séries com bilheterias milionárias. Editoras médias estão desesperadas, mal conseguindo pagar seus fornecedores.
Vai sobreviver a editora que tiver como fonte de renda lojas virtuais próprias e vendas diretas. Vai sobreviver o autor nacional que se autopublica e, mesmo assim, terá que incentivar os leitores a ajudá-lo financeiramente através de financiamentos coletivos ou arranjar outra ocupação. Por isso, muitos estão desistindo. O meu caso foi voltar a trabalhar fora e conciliar meu tempo para não abandonar a escrita.
Você se preocupa e quer ajudar? Compre os livros diretamente do seu autor preferido. Isso também vale para as editoras. E se forem autopublicados somente em ebook, como eu e tantos outros, baixem os livros na Amazon ou aluguem pelo KindleUnlimited (pagando apenas R$ 19,90 por mês você pode ler quantos livros conseguir!). Dê preferência às lojas virtuais e não físicas quando for comprar livros impressos.
O mercado está mudando e tenho certeza de que é para melhor. A crise das livrarias é a prova de que não devemos ficar presos no passado, que precisamos nos modernizar e nos aventurar em novos métodos de entretenimento, acompanhando as tendências tecnológicas que a século 21 nos proporciona. Experimentar novas formas de leitura é o presente. O futuro é incerto, mas a leitura só vai acabar quando pararmos de ler.
Você pretende parar? Eu nunca! Muito menos de escrever.
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