A ESPERANÇA NO AMANHÃ PASSA PELO HOJE

by - outubro 26, 2019


Estamos à beira do colapso climático, e isso não sou que estou dizendo, nem uma adolescente europeia segurando um cartaz em frente ao Congresso em uma greve solitária. Os cientistas vêm alertando sobre isso há 30 anos. Há três décadas lemos e ouvimos a respeito, até mesmo no cinema, em histórias apocalípticas que lotam salas com pessoas que curtem duas horas de entretenimento, comendo pipoca e bebendo refrigerante em seus vasilhames de plástico, e, ao saírem, ainda deixam tudo para trás, incapazes de retirar seu próprio lixo.
Eu me incluo nessa. Nasci e cresci na época em que já se falava sobre as previsões nada otimistas dos cientistas climáticos e sobre o que poderíamos fazer quanto sociedade para diminuir o impacto ambiental que a humanidade causa ao meio ambiente. Reciclagem, reaproveitamento da água da chuva, economia de água potável, energia alternativa, não jogar lixo na rua. Tudo isso ajuda, evidente, mas por que, mesmo depois da criação de diversas cooperativas de reciclagem, a produção sacolas de plásticas biodegradáveis e escovarmos os dentes durante o banho, as previsões não mudaram? 
Fui entender recentemente, com meu mergulho na política, a fim de apreender sobre o sistema em que estamos inseridos e quais são as alternativas para uma transformação social efetiva. Para me ajudar a parar de demagogia e começar a efetivamente a fazer a minha parte e exigir de quem tem mais poder, tanto de mudar o mundo quanto de destruí-lo, a fim de revertermos esse quadro junto com o desastre que é ter um governo de extrema direita que não trabalha para a maioria, mas sim pela minoria que o colocou no poder (inclusive o poder econômico), três enormes tragédias ambientais chocaram o Brasil e o mundo. 
A primeira, ainda em janeiro de 2019, foi o rompimento da barragem de Brumadinho. É preciso dar nomes aos bois. A culpa foi da Vale, administradora da mineradora que causou a morte de 250 pessoas, diversos animais, e a contaminação da vegetação e dos rios de 17 municípios da região, atingindo um alarmante número de 600 mil pessoas. A empresa não havia feito à manutenção necessária e não deu tempo de soar o alarme e evacuar as pessoas e os animais do local. Foi uma das catástrofes mais tristes e marcantes que ficará na nossa história. 
A segunda foi o “dia do fogo” na Amazônia. Madeireiros e pecuaristas atearam fogo na floresta, em uma ação predatória premeditada e simultânea, em 119 cidades do norte do país. A fumaça chamou atenção dos satélites da NASA e, devido as correntes de ar que carregam partículas de chuva para o sudeste do Brasil, a nuvem negra e poluente chegou à maior capital do país, transformando o dia em noite bem no meio da tarde. Países europeus, artistas e ONGs se manifestaram contra a falta de ação do governo federal para preservar a floresta, o que desde a campanha deixou claro que não pretendia fazer. E não está mesmo fazendo. 
E a última tragédia ecológica foi no nordeste. Um óleo denso e tóxico chegou às praias, contaminando mangues e vida marinha. O governo demorou 51 dias para acionar o plano de contingência, obrigando os locais, que vivem da pesca, a se mobilizarem, arriscando a própria vida em contato com a substância negra, da qual ainda não se sabia exatamente a origem. Houve muita especulação sobre isso e o culpado precisa pagar, mas dificilmente será. No Brasil não há uma política ambiental forte e quem tem muito dinheiro, e também poluí muito mais que cidadãos comuns, dificilmente paga sequer uma multa. 
Foi em setembro, depois do fogo consumindo a Amazônia, que eu resolvi cortar a carne das minhas refeições, em protesto contra os pecuaristas, que querem derrubar a floresta, tão necessária para que nosso ecossistema — para a manutenção dos rios e das chuvas —, para fazer pasto para boi. E contra o agronegócio que também quer terra livre para produzir soja para exportação, sendo que a maior parte desse alimento vira ração para animais. Estamos literalmente destruindo nosso país para vendê-lo aos estrangeiros e por um preço muito baixo, que beneficia meia dúzia de empresários. 
Eu vivo em uma cidade muito seca no nordeste do estado de São Paulo. O clima é quente e desenvolvi alergia ao pó constante e a terra que se limpa de manhã e se acumula à tarde. No inverno são ao menos três meses sem chuva, uma tortura que tem se prolongado nos últimos anos, aumentando as temperaturas durante o dia e quase não derrubando durante a noite. Parte da culpa é do monocultivo de cana-de-açúcar, que já tem uns cem anos na região. A produção teve seu boom nos anos 1990, com a criação do biocombustível, e tem absorvido a umidade do ar desde então. 
Isso tudo sem entrar no mérito dos agrotóxicos, que tem contaminado nossa comida, nosso solo e nossos poços artesianos, que nenhum filtro é capaz de limpar. Agrotóxicos que causam câncer. Também não mencionei os microplásticos. Como todo mundo já sabe, boa parte do plástico que consumimos não é reciclado. Na verdade, a quantidade reciclada não chega nem a 10%. Esse plástico não desaparece. As partículas se quebram, eliminando gases tóxicos na atmosfera, e contaminam tudo. 
Enquanto grandes marcas fazem campanha para que a população consuma menos água e pare de comprar canudos plásticos, as empresas, as maiores poluentes, continuam explorando a terra, a mata e as matérias-primas, que nem deveriam ter sido tiradas do solo, como carvão, petróleo e gás, altamente poluentes e os maiores causadores do aquecimento global. As mineradoras e os pecuaristas também se preocupam com o lucro acima da raça humana. 
Sabe por que eles não se preocupam? Porque quem tem dinheiro é menos atingido por tragédias ecológicas. Aqui incluo países desenvolvidos, que se tornaram ricos explorando países pobres. Os EUA, um dos países que mais produz lixo do mundo, exportam seu lixo para países aliados e periféricos na esfera global, a fim de manterem seu país limpo e bonito, e com uma imagem de ecologicamente consciente, enquanto estão colaborando com o acúmulo de lixo em países que não possuem condições financeiras de processar seu próprio lixo. 
Estamos cansados de ver tragédias climáticas na África, continente composto por uma maioria de países pobres. Enquanto se faz mutirão para salvar um estado norte-americano, africanos pobres são dizimados aos milhares. A desigualdade nos afeta de uma maneira muito mais profunda do que um mero status social. É a causa da maioria das tragédias humanas e não estamos fazendo nada para resolver o problema, mesmo quando faltam apenas 10 anos para o aquecimento global se tornar irreversível. 
Decidi que não vou ficar parada, pregando economia de água e reciclagem, quando deveria cobrar do governo e das empresas que parem de destruir nosso planeta agora, que busquem alternativas sustentáveis, e, se não souberem o que fazer, busquem informação com aqueles que resistem e lutam pela floresta desde antes de os europeus chegarem aqui: os povos indígenas. Eles estão na linha da frente dessa luta e foram dizimados por isso, sendo hoje menos de 1% de nossa população. 
Vou me juntar a eles, aprender com eles, e aliar meu veganismo, que é a luta pelo fim da exploração humana, mineral e animal, à causa dos indígenas, que antes mesmo dos cientistas descobrirem, já haviam entendido como a natureza funciona e qual o impacto da vida humana nela. Ou a gente muda imediatamente, ou não ficará planeta em pé para nossos netos crescerem. Eles terão que viver com a herança da fome, da sede, do ar contaminado, do calor insuportável e da luta pela sobrevivência que deixaremos quando nos formos. 
E então o apocalipse não será mera ficção e a extinção humana será questão de tempo.

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