Por uma vida que valha a pena

by - maio 02, 2025


Nós temos a ilusão de que temos vida, mas, na verdade, só há trabalho. Nascemos dentro da lógica empresarial. Somos treinados para viver como em uma empresa, vinte e quatro horas por dia. Estudamos para nos tornar parte integrante dessa máquina de produção. Vivemos para fazer a engrenagem girar. Trabalhamos, recebemos nosso salário, compramos e fazemos tudo de novo, até morrer. No nascimento e na morte, produzimos trabalho. Nossa vida faz a roda da economia girar. Crescemos e nos casamos para criar a próxima geração de peças desse sistema.

Não fomos nós que estabelecemos essas regras de relações comerciais entre humanos. Quando nascemos, já era assim. Fomos levados a pensar que sempre foi assim, desde que o mundo é mundo. Mas, na verdade, forças e interesses moldaram-no — e ainda o moldam hoje — para garantir sua hegemonia, para que funcione desta forma. As relações humanas são contratos. As pessoas só se entregam a alguém se houver algo em troca. Seja afeto, seja dinheiro — nada é de graça. Tudo tem um custo.

Na maioria das vezes, o custo é a própria vida — seja literal ou simbolicamente. Acordamos todo dia no mesmo horário. Fazemos sempre as mesmas coisas. Corremos de um lado para o outro, sem tempo sequer para respirar. Temos que fazer da nossa vida um sucesso. Precisamos ser alguém. Precisamos de dinheiro. Precisamos empurrar, dia após dia, a rocha montanha acima. Cozinhar, comer, beber água, nos aperfeiçoar profissionalmente, cuidar dos filhos, dos pets, do corpo, da casa.

Não podemos parar. Se pararmos, como uma peça de uma máquina, nos tornamos obsoletos. Não podemos ficar doentes, não podemos cansar, mas também não temos tempo para descansar. Não podemos nos aposentar, não podemos tirar um ano sabático, não podemos investir nosso tempo e nosso esforço em um sonho próprio — que não contribua com o funcionamento da máquina. Muito menos em atividades que nos façam questionar o mundo em que vivemos e nos ajudem a sonhar com algo melhor.

Mas podemos nos alienar. Beber álcool, consumir açúcar e gorduras, fumar e usar drogas. Isso é bom. Contribui com o funcionamento da máquina. Nossa alienação gira a economia. Crises de ansiedade, depressão e estresse? Temos a solução, diz o sistema! Você pode escolher entre as diversas opções do mercado! Em cada esquina, uma farmácia, uma igreja e um bar! Qual você prefere? Qualquer um que escolher, não importa: vai exigir de você mais dinheiro, portanto, mais trabalho.

Até cuidar de si mesmo, amor-próprio e empoderamento se tornaram parte do sistema. Tudo é usado nessa grande máquina de propaganda para nos convencer de que não há outro jeito de viver. Que essa lógica de individualismo, competição e produtividade — que gera solidão, sensação de abandono, medo, raiva e ódio — é a única forma que faz sentido. Que somos egoístas por natureza, que não temos capacidade de nos conectar realmente com os outros e com a natureza, que só nos resta o trabalho.

O trabalho nos suga toda a vitalidade e criatividade, a ponto de não vermos saída dessa máquina. Estamos presos na Matrix, convulsionando de desespero, vergonha e tristeza, e não temos força sequer para tentar sair dela. Estamos tão sozinhos e tão imersos no vazio que restou na nossa alma, que não conseguimos olhar para o lado e ver como o outro está tão mal quanto nós. Porque ele é o inimigo, o competidor, a pessoa que pode tomar seu lugar no degrau de cima da pirâmide.

A máquina cooptou nossa vida, nossos sonhos, nossa vontade de conquistar algo melhor. Mas, apesar da acidez desse texto ao expor a realidade da vida que levamos, venho trazer uma palavra de esperança. Se esse mundo foi construído por forças e interesses, nós também podemos nos unir, juntar forças e nossos próprios interesses para reformulá-lo. Se quisermos ter vida além do trabalho, só há uma maneira de fazer isso: agir contra a lógica do sistema, nos rebelarmos.

Contra tudo e todos, precisamos transformar o individualismo em coletividade, o egoísmo em empatia, a competitividade em solidariedade. Precisamos transformar o abandono em apoio, o medo em coragem, a raiva em alegria e o ódio em amor. Precisamos transformar o trabalho em uma produção do que é essencial para vivermos. Precisamos quebrar a máquina que nos trata como robôs e humanizá-la, para que possamos investir nosso tempo e esforço em atividades que realmente nos dignificam.

Não podemos mais deixar que o sistema nos escravize, explore e humilhe. Nesse Dia do Trabalho que passou, essa foi a reflexão que fiz — e deixo aqui para que outros revoltados e desamparados como eu se sintam acolhidos e animados pela perspectiva de mudança. Não será fácil. Não será da noite para o dia. Mas não podemos desistir de nossas vidas antes mesmo de lutar. Perder por W.O. é covardia. E, se há algo que temos por natureza, enquanto humanidade, é a coragem de buscar aquilo que queremos.

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