VIVER UM GRANDE AMOR NÃO NOS TORNA VITORIOSOS
Desde criança, eu tinha a ideia de que, para ser feliz, precisava ter alguém. E esse alguém só podia ser um par romântico. Não adiantava ter família, amigos, realizações pessoais. Meu sonho era ter alguém, construir uma casa, formar a minha própria família e ter dois filhos. Claro que não excluí a ideia de trabalhar e ter meu próprio dinheiro. Para mim as duas coisas podiam acontecer juntas.
Mas o que me tirava o sono e a vontade de comer era a falta de alguém que gostasse de mim como eu era. Lembro que aos seis anos me dizia apaixonada pelo vizinho, da mesma idade claro, que se chamava Roger. Eu era muito inocente e o máximo que fizemos foi pegar na mão um do outro. Foi o suficiente para eu achar que estávamos namorando. Apanhei do meu pai por causa dessa bobagem.
Hoje entendo que nenhuma criança deve perder parte da infância projetando a sua felicidade pessoal em atividades de adultos. Não estou dizendo que não se deve dar responsabilidades aos filhos desde cedo, mas responsabilidades compatíveis com a sua idade. A minha felicidade de criança deveria estar no convívio com a família, no aprendizado e nas brincadeiras com os coleguinhas, e não em um possível romance.
Também não estou afirmando contundentemente que a culpa é dos pais. Acho que vai muito além. É estrutural. Estou falando de uma sociedade que naturaliza brincadeiras sobre namoradinhos quando um menino e uma menina brincam juntos. Que estimula o pensamento romântico através de desenhos, como contos de fadas, principalmente para as meninas.
Eu cresci assistindo. Mesmo que eu também gostasse dos Power Ranger (me julguem rs), e me identificasse com a amarela (nunca gostei da cor rosa), e trocasse de escolha de profissão como trocava de roupas, eram aquelas estórias sobre amor eterno que me faziam suspirar e sonhar. As brincadeiras em casa com as minhas irmãs projetavam esse anseio. Éramos sempre princesas encontrando nossos príncipes.
Acredito que isso tenha desencadeado uma série de erros que cometi ao longo de vida. Erros que me tornaram a mulher forte e firme de hoje. Mas sou consciente de que muita dor poderia ter sido evitada se não houvesse uma cultura tão forte de que a solidão é símbolo do fracasso humano, de que não encontrar um grande amor significa ser infeliz e que não ser amado por outro é a pior das tragédias.
Claro que o amor é essencial, assim como ter um convívio social saudável e duradouro. Mas projetar toda a felicidade pessoal em outro ser humano, um ser mítico, que surgirá em seu caminho quando for a hora certa, e que o fará completamente feliz, é um erro tão grotesco, que deve ser o maior crime que cometemos com o outro. Colocar todas as suas aspirações em outro humano, tão imperfeito quanto você, é irrealista.
Fora que, ao fazer algo tão assombroso, nós ainda desconsideramos aqueles que nos criaram desde o primeiro choro. Anulamos anos de dedicação, noites em claro, investimento em saúde, educação e carinho que nossa família fez por nós. Reconhecer que eles fizeram tudo que estava ao seu alcance, mesmo cometendo erros ao longo do caminho, é ser grato por tudo o que você conseguiu graças a esse apoio.
Reduzir o amor, esse sentimento gigantesco e intangível, a um ser mágico e especial, a chamada alma gêmea, é tão frívolo quanto um erro grotesco. Mas esse tipo de sugestão está em todo lugar e nos acompanha ao longo vida. Parece uma propaganda ruim sobre uma busca infinita e sem sentido, para que estejamos sempre insatisfeitos e frustrados. E nisso ficamos doentes, compulsivos e amargos, porque nunca tocamos o sublime amor vendido pelos livros e cinema, por exemplo.
Isso pautou a minha adolescência de uma forma doentia e influenciou todas as minhas relações interpessoais. Com meus pais, minhas irmãs, meus avós, meus tios, meus primos, meus amigos, meus paqueras, meus ficantes, meus namorados e, principalmente, meu marido. Eu tinha uma ideia vendida, que comprei e paguei muito caro por isso, pronta e idealista do que deveria ser o amor. Claro que não deu certo.
Como autora de livros de romance, procuro escrever histórias realistas, com a responsabilidade de não romantizar abuso e opressão. Porque é o que acontece quando você entra em uma relação com uma ideia totalmente equivocada do que realmente deve ser. Você se anula, se projeta no outro e permite coisas que nunca deveria permitir. Sujeita-se à humilhação e à vergonha de se diminuir para o outro caber e crescer em cima de você.
Os trinta anos que eu passei idealizando uma relação a dois que nunca tive, e nunca terei, deveria estar concentrada em mim. Em me preparar para o futuro, tanto emocional quanto intelectualmente. Mas não. A minha felicidade até então nunca tinha sido projetada em mim, naquilo que eu podia fazer por mim mesma, nos sonhos que só eu podia realizar, na felicidade pessoal que eu mesma podia construir e fortalecer.
Hoje, mais do que nunca, estou em paz comigo mesma. Há sete anos trabalho minha autoestima e meu amor-próprio, invisto em meus sonhos pessoais e em minha carreira de escritora, que se tornou um pilar da minha felicidade, assim como a minha família, os meus amigos (que são poucos, mas são sinceros e presentes) e o meu tempo comigo mesma.
Esse tempo sozinha está sendo muito útil para fortalecer meu emocional e intelecto, porque estou gastando-o com coisas que me agradam e me ajudam a crescer como indivíduo. Entendi, depois de muita reflexão, que se eu for vazia para uma relação, serei preenchida pelo outro. E que apreciar a minha companhia não é fracasso, é um ato necessário. Se eu não me amar, quem vai me amar?
E mesmo dentro de várias relações interpessoais, tirar um tempo para mim mesma para ler, ver séries ou refletir sobre a minha vida, é a melhor coisa que eu posso fazer por mim mesma. A correria da vida e as preocupações muitas vezes nos tira esse tempo para parar, respirar e refletir antes de seguir em frente, de tempos em tempos, ou diariamente, como prefiro, o que também parece um complô contra a nossa felicidade.
Já vejo empenho de parte da sociedade em desmitificar o amor romântico, e criticar o rótulo entalado que a maioria vende. Felicidade não tem padrão, muito menos segue o mesmo caminho. Como seres únicos que somos, também possuímos nossas próprias trajetórias. Amor abarca tudo aquilo que nos faz felizes, individualmente. Cabe a cada um de nós descobrirmos a nós mesmos e encontrar nossa própria felicidade.
Nunca permitam que outros te digam como deve viver. Ignore e viva plenamente, com seus erros e acertos, com seus tombos e levantamentos, com seus amores e desafetos, com seus sonhos e obstáculos... Apenas viva e ame, indiscriminadamente. Permita-se.
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