UM BREVE DESABAFO SOBRE O QUE É SER ESCRITOR
Escrever é um ato solitário, mas o escritor nunca está sozinho. Não enquanto está envolto por personagens mais diversos, emaranhado por suas histórias, seus dramas pessoais, seus desejos e medos. Contar histórias é sofrer junto em uma realidade construída a partir da observação do mundo em que vive, somada à sua própria experiência de vida. A esse conjunto damos o nome de livro.
Só que não é tão simples. Escrever também é um ato de autoconhecimento. Não basta enxergar o mundo como se fosse um imenso livro a se devorar, se o escritor não conhecer a si mesmo. Como transmitir as sensações que o povoam durante essa observância sem que o escritor as entenda? E esse processo é doloroso. Exige um aprofundamento no seu próprio eu gigantesco, e, mais uma vez, solitário.
Depois de se conhecer, é fácil para o escritor ter empatia e cuidado com seus personagens, que para ele refletem pessoas reais. Portanto, essa empatia é espelhada na comunidade onde vive. Seja família, religião, escola ou trabalho, o escritor está sempre em processo de tentar entender o mundo em que está inserido e transmiti-lo da melhor forma possível, dentro de suas próprias limitações.
Porém, muitas vezes, a solidão do escritor ultrapassa a barreira de seu lugar de trabalho e ele o sente em sociedade, onde esperava que fosse acolhido como integrante dela. Não estou falando de leitores, apesar de ser causa de parte da ansiedade de um escritor. Às vezes o escritor é um estranho dentro de sua própria família e comunidade, não encontrando iguais com quem dividir o fardo de ter uma visão de mundo completamente inquieta, em constante movimento.
Isso o faz se sentir um estranho em sua própria pele. Um ser fora da casinha, que não se encaixa em lugar algum. E quando encontra outros como ele, é a maior festa... Só que não! Nem sempre há uma interação interessada em compartilhar e dar fim a essa solidão intrínseca de quem é escritor, ainda mais em um país que pouco incentivo há pela cultura em geral. E aí o escritor volta para casa vazio, com sua solidão ainda maior.
Como ser social que é por natureza, e empático por construção, o escritor se vê sozinho com seu redemoinho de vento, ouvindo vozes do além, que nem sempre são claras, exatamente por muitas vezes refletirem a confusão própria do indivíduo em estado de reflexão. Há uma cobrança muito maior por seus próprios atos, ou pelo que espera do outro. A falta da partilha o torna um na multidão, segurando uma placa que ninguém vê, como se fosse um grito mudo.
Estou usando o exemplo do escritor, mas todos nós podemos nos colocar em seu lugar. Todos nós precisamos de apoio. Todos nós precisamos saber que podemos contar com alguém, nem que seja uma única pessoa. A competitividade que a sociedade moderna impõe está causando o isolamento de pessoas em sua própria individualidade, cada vez mais perdidas dentro de seus conflitos internos, sem verem saída para seu tormento.
Não há nada mais tenebroso, e aparentemente intransponível, do que uma mente adoecida pela luta solitária contra seus monstros internos, muitas vezes criados pela falta de empatia daqueles que estão em sua volta, ou seja, aqueles de quem se espera mais do que dão. Entre escritores, que conhecem a luta diária que todos travamos para produzir, oferecermos o melhor texto e sermos lidos, então, isso nos faz desacreditar tanto em nós mesmos quanto no meio, um lugar que no começo é o paraíso, mas que pode se tornar o próprio inferno.
Nunca antes vi tantos autores desistindo, mesmo quando publicar e ser lido era muito mais difícil. Também nunca pensei tanto em desistir como agora. Mas o vazio que se dará dentro de mim se eu parar de escrever será muito maior do que suportar a falta da partilha com iguais, com quem eu adoraria me abraçar e me unir, para, quem sabe assim, me sentir mais forte. Queria poder ter tido forças para ajudar aqueles que desistiram a suportar essa jornada tão solitária.
Espero que nós, escritores, sejamos um símbolo de união e coletividade. Que o individualismo não nos traga e não nos faça competir por um espaço já tão competitivo por um sistema de metas desiguais. Que possamos compreender que a diversidade é o futuro, e quem sabe a salvação da própria humanidade, que se esqueceu que vive em comunidade e não somente em suas lutas individuais.
Cabe a cada um de nós, escritores, ajudar o outro a carregar seu fardo pessoal, porque também nunca vi tantas pessoas, assim como eu, acumulando doenças psicossomáticas. O que parece impossível sozinhos será mais fácil se estivermos juntos. Voltemos à nossa essência humana e ao entendimento do que é a sociedade para enfrentarmos unidos as dores do mundo. Porque se tem algo certo é que não estamos sós.
É só olhar para o lado. É só parar para escutar. É só estender os braços para sentir.
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