A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO ESCRITOR COMO COMUNICADOR
Nunca gostei da ideia de que sou uma formadora de opinião, desde a época em que quis ser jornalista e acabei optando pela faculdade de publicidade e propaganda, profissão abandonada para focar na carreira de escritora. Sempre achei forçada, manipulatória e desnecessária. Ainda acho o marketing pior porque ele se apropria de conceitos humanísticos para te convencer de que precisa de um produto que provavelmente poderia viver sem.
Por isso, passei anos da minha carreira de escritora me abstendo de dar opinião ou mesmo de expor a minha vida pessoal nas redes sociais, lugar que expandiu a comunicação em um âmbito global para todo o ser humano, que é um comunicador nato, pois, diferente de animais irracionais, somos seres pensantes, logo capazes de nos comunicarmos um com os outros. Nasceu então outro tipo de comunicador, outro termo que também não me agrada, o influencer.
E qual é o problema com ambos? Muitos. Principalmente quando se tem um número gigantesco de seguidores. Nem todo mundo tem senso crítico apurado para discernir ao que deve ou não dar ouvidos, ou mesmo para procurar informações por conta própria. Criou-se uma confusão enorme sobre o que é liberdade de expressão e discurso de ódio, por exemplo, que os seguidores reproduzem em suas próprias redes ou em comentários nas postagens alheias.
Todo comunicador tem a responsabilidade de se fazer entender ou mesmo de levar uma informação embasada, ou em uma experiência pessoal ou em pesquisa, se for falar de algo que não conhece por vivência. O problema são os achismos e, principalmente, os discursos prontos, propagados pelo senso comum, que reforçam estereótipos e violência. Essa pessoa não deve ser colocada em um pedestal de dona da verdade absoluta, no qual não pode estar sujeito a críticas.
Como eu já escrevi no artigo sobre a pós-verdade, cada um tem o direito de expor a sua própria verdade, mas jamais menosprezar a verdade do outro. Por isso temos uma boca e dois ouvidos. Precisamos aprender a escutar. E é aqui que principalmente o escritor se encaixa. Não falamos apenas sobre a nossa realidade, a que conhecemos, vivemos e temos como nossa verdade, que guia a nossa vida, também falamos sobre a realidade dos outros.
Através de observação, pesquisa, conversas, ou mesmo sentar com alguém e ouvir a sua história e dela extrair uma realidade que você desconhece completamente, mas que existe, nasce no autor o desejo de contá-la para que mais gente também possa conhecer. Esse é o trabalho diário do escritor, portanto, muito mais importante e cuidadoso do que a publicidade, ou mesmo o jornalismo, que é bastante semelhante, mas que escreve somente fatos reais.
A ficção é, muitas vezes, uma forma de processar a realidade. É por isso que tantos leitores esperam finais felizes, contrapontos com a realidade dura e muitas vezes cruel que todos vivemos em níveis diferentes. Mas acredito que isso não pode e não deve fazer o escritor negligenciar sua responsabilidade de escrever um texto limpo e íntegro, tanto nas redes sociais quanto em seus romances.
É natural que no começo da carreira o escritor pense somente em colocar no papel aquela história que está em sua mente e que ela possa ser lida e apreciada por milhares de leitores, sem uma preocupação mais criteriosa com a mensagem que vai passar através dela. Eu já fiz isso. Um exemplo foi quando escrevi Puro Êxtase, que expõe muito do que passei quando me divorciei, mas demorei anos para admitir.
Eu ainda estava em processo de amadurecimento, tanto pessoal quando profissionalmente, e de entender meu papel como escritora, comunicadora, e social. Eu conhecia a teoria, mas a prática nem sempre é fácil de ser aplicada, principalmente quando envolve emoção. Escrever e publicar livros para mim sempre foi um sonho e quando realizei, minha primeira preocupação era ser lida.
Esse trabalho de expor o que penso, por exemplo, em posts nas redes sociais ou mesmo através desses artigos no meu site, foi algo que precisei construir dentro de mim. E não é apenas uma forma de marketing para vender mais livros. É uma maneira de me comunicar com meus leitores. Demorei também para assumir isso porque meu amor-próprio era raso e eu não acreditava que tinha mais a oferecer para a sociedade além dos meus livros.
Quem acompanha a minha carreira, ou já leu entrevistas que dei a diversos blogs, sabe que sempre escrevi, desde que aprendi a escrever, para mim. Era uma forma de colocar para fora o que eu sentia e pensava, porque quando era mais jovem, por incrível que pareça, era tímida e retraída. Minha voz era silenciada o tempo todo pela sociedade, tanto dentro de casa quanto fora, e eu não achava que tinha o direito de fazer ouvir a minha voz.
Hoje, graças ao meu divórcio, aos livros que escrevi, aos que li, e às pessoas que conheci, tenho noção tanto do meu lugar de fala quanto da responsabilidade sobre tudo o que digo ou escrevo. E é com muita pena e preocupação que percebo que muitos autores, ou mesmo leitores, não têm essa mesma consciência. Principalmente no gênero de romance erótico, que é o que escrevo, mas que não consigo mais ler como deveria.
Antes de continuar, quero deixar claro que isso não é uma crítica a ninguém em específico, mas é uma crítica generalizada e baseada em minha observância cotidiana. A crítica é uma coisa que sempre me acompanhou. Eu me autocritico muito, e acredito que isso me faz crescer, tanto como pessoa quanto profissional. Também tenho uma boa relação com as críticas que recebo, tanto de gente que conheço, quanto de gente que não conheço.
É verdade que já tive a fase revoltada e teimosa, que tem uma resposta pronta e um “mas” para todas as críticas que recebia de fora. Mas eu ouvia e, em algum momento, provavelmente quando estiver preparada para entender, depois de absorvê-la e processá-la, aquela crítica fará sentido e diferença na minha vida. É com esse pensamento que escrevo esse texto agora. Para levar a uma reflexão e não tacar pedras.
Alguns escritores podem se defender dizendo que os leitores querem ler isso ou aquilo, e por isso só escrevem assim. Peço, por favor, sejamos responsáveis. Fico assustada quando vejo comentários de pessoas que não sabem identificar abuso, assédio e estupro, ou mesmo quando leio livros em que essas violências não são apenas naturalizadas, como romantizadas. Isso gera um ciclo infinito de violência, no qual a vítima não consegue sair, inclusive por se sentir culpada.
Precisamos ser responsáveis pelas vidas que afetamos. Precisamos decidir como as afetaremos antes de escrever e publicar um livro: para o bem ou para o mal? Precisamos de conhecimento prévio, pesquisa e muito diálogo e autocrítica para construir uma narrativa socialmente responsável. Não sejamos formadores de opinião ou influencers, mas sejamos autores que nos preocupamos com a mensagem que iremos passar aos nossos leitores.
Não sabemos nada sobre o outro lado, a menos que os leitores venham nos contar. Portanto, que sejamos propagadores de conhecimento, fontes de informação, e não mais um irresponsável com discurso de ódio e desinformação, principalmente na internet. Prefiro não postar nada se for para dizer só o que acho sem base. Que façamos essa análise antes de escrever qualquer coisa, em qualquer lugar. E isso vale para todos. Sejamos comunicadores responsáveis.
2 comments
Texto maravilhoso, muito bem explicativo, você é uma grande autora e pode ficar orgulhosa de si. Beijos e obrigada.
ResponderExcluirConcordo plenamente, Josy! E eu também fico muito assustada ao ver autores que não somente naturalizam a violência sexual (abuso, assédio e estupro) como, também, romantizam esse tipo de violência.
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