O ÓDIO QUE A GENTE PRECISA SEMEAR
Sou uma pacifista, contra armar a população e, principalmente, contra guerras. Por isso mesmo acho importante denunciar abusos de autoridades policiais, jurídicas e políticas. Ser a favor da paz não significa abaixar a cabeça para desmandos, silenciar vozes, nem mesmo desacreditar no poder que emana do povo.
Democracia significa liberdade para manifestações divergentes e uma sociedade participativa que faz valer a sua vontade. Mas na prática não é bem assim que acontece e isso tanto agrada o governo quanto é um projeto. Eles nos querem mansos e submissos para governar sem nossa interferência e para proveito próprio.
É um projeto, eu disse, porque o investimento em educação e cultura, pilares para uma sociedade mais justa e menos violenta, nunca foi prioridade, e hoje está contingenciado e congelado por 20 anos. Sabe o que isso significa na prática? Que uma geração inteira vai ter a mesma educação precária que tiveram seus pais, e seus avós. E sabe aonde isso também interfere? Na economia! Ou seja, na renda.
Também percebe-se a natureza premeditada quando aparelham a polícia para defender o estado e não a população, com uma gritante diferença nas periferias das cidades, que, além de não receber infraestrutura básica, como saneamento por exemplo, ainda são tratados como “marginais”, utilizando a palavra em seu tom pejorativo. No entanto, não poderia ser mais correta em seu significado: essas pessoas estão à margem da sociedade e são tratadas como não humanas, não cidadãs, mesmo que aqui habitem, trabalhem e contribuam como todos com impostos e com o giro da economia.
É sistêmica a desumanização de certos grupos sociais para justificar ações violentas que a mídia ajuda a orquestrar. Como, por exemplo, auxiliar a construir a imagem de terroristas de movimentos legítimos a favor da reforma agrária ou de indígenas protegendo o meio ambiente, quando deveriam denunciar o uso da máquina pública e do poder econômico para dizimar a floresta e para acumular terras improdutivas que poderiam ser aproveitadas por famílias rurais pobres para seu próprio sustento.
Vê-se a deslegitimação de movimentos femininos, que denunciam abusos do sistema e a desigualdade cada vez maior em uma sociedade plural, porém destoante, reduzindo essas mulheres a não merecedoras de respeito por não se portarem como parte moralista e retrógrada da sociedade diz que devem, cunhando assim a luta legítima por direitos iguais a mimimi.
É nítido que existe um aparato movido por ódio e ignorância para manter o status quo, é tremendamente visível, principalmente para aqueles que sofrem as consequências de maneira direta. Não dá mais para tolerar políticas públicas de repressão, de apartheid, de fome e de morte.
Diante de tudo isso ainda esperam que nós usemos palavras em tom baixo, conversas brandas, diálogos equilibrados e concordância forçada, senão somos igualados a nossos opressores, como fazem com a imagem histórica de guerrilheiros e revolucionários, reduzindo-os a terroristas por levantarem e dizer um basta para um estado transgressor.
Ora, como vocês se atrevem? Faço minhas as palavras da jovem ativista sueca Greta, que comoveu com seu recente discurso na ONU em defesa do futuro do planeta. Parem de nos matar! Ecoo o grito da periferia, que se levantou contra a política de “atirar na cabecinha” do Estado do Rio de Janeiro, depois do assassinato de Ágatha de 8 anos pela força policial. Ele não! Saliento depois de um ano da primeira manifestação de mulheres contra o candidato que representava uma regressão nas conquistas do país.
Agora eu digo: eles não! Não toleraremos o desmonte dos direitos humanos, trabalhistas e previdenciários. Não ficaremos calados diante do corte de investimento em áreas essenciais, como educação, saúde e cultura. Não suportaremos mais as políticas de segurança pública que significam morte e encarceramento da população negra. Não aceitaremos que mulheres e LGBTQIA+ sejam atacados todos os dias por simplesmente existirem. Chega de injustiça! Nossa indignação é válida e não nos subordinaremos para não incomodar os poderosos com nossos gritos de raiva e desespero. Basta de tentarem minimizar seus feitos sobre nós. O povo chora e sangra e não aguenta mais tanta miséria e dor.
Se é ódio que eles entendem, é com ódio que devemos agir, mas um ódio diferente, não direcionado a grupos que já são vítimas, mas àqueles que tentam exercer seu domínio sobre nós. Precisamos cultivar essa raiva e fazer dela um motor para a ação, para a mobilização, para a união e para a força popular capaz de derrubar o sistema e implementar uma nova era que não dependa de salvadores da pátria ou príncipes. Mas que depende apenas do povo unido se levantar e fazer valer seu direito constitucional de dizer: basta! Se você se cala, se torna cúmplice.
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